Certo, certo, certo, haviam detalhes teológicos que estavam em jogo, o que a própria autora da apresentação veria a reconhecer, mas e a guerra? As mortes? As vidas? E as igrejas? E os cristãos que vivem e sofrem a esta cruel realidade? Nenhuma palavra? Nenhum gesto? Eles serão, mais uma vez, simplesmente abandonados?
Dia do abandono!
Foi o dia 25 de setembro de 2024, o quarto dia do Congresso. O dia está marcado: abandono. O dia foi marcado pelas lágrimas das irmãs e dos irmãos das igrejas Palestinas. Atenção! Eles estão presentes e, apesar das milhares de lágrimas já derramaram, no decorrer destes longos meses, uma vez mais elas vieram e vieram quentes. Vieram enquanto estavam cercados de milhares de cristãos dos mais diferentes lugares e que, uma vez mais, raramente se deram conta das lágrimas de uma igreja sofrida, perseguida e decrescente. O sentimento de abandono não poderia ser mais profundo, mais dolorido, mais inacreditável.
Inacreditável de tantos jeitos. Inacreditável por ter sido desencadeado por este email expedido por aqueles que haviam aprovado a própria vinda destes cristãos palestinos. Inacreditável por estar acontecendo no dia em que se tematizava a igreja perseguida e a igreja sofrida, ao mesmo tempo em que o silêncio em torno à igreja palestina falava bem alto. Um silêncio que dizia que a igreja global não se importava. Não os necessitava, fazendo eco a uma das frases tópicas do evento que denunciava o pecado do isolacionismo - I don’t need you.
Desse descarte os irmãos e irmãs já sabiam, mas não sabiam que doía tanto experimentá-lo bem ao lado daqueles que lhes passavam de largo, usando uma imagem que entendemos.
O abandono não poderia ser mais sofrido e denunciador de um corpo fraturado e machucado. Corpo de Cristo.
Dia do abraço
Eu vi! Eu vi que havia, também, outras lágrimas. Lágrimas vindas de outros olhos marejados e que, nascendo do fundo da alma, queriam expressar arrependimento e solidariedade. É fato. Tem muitos outros que tem lágrimas a derramar. Há muitos outras almas que, em solidariedade, tem espaço para chorar.
Vamos, pois, mover os nossos corpos em busca das sofridas lágrimas destas irmãs e irmãos, em busca de transformar o dia do abandono, no dia do abraço.
Sei. É preciso ir devagar, pois antes de abraçar é preciso reconhecer o abandono, e mesmo descaso, ao qual submetemos aquelas igrejas e aqueles irmãos. É preciso fazer o que este evento nos conclamou: arrependimento. Penitência, foi dito muitas vezes.
Agora, como vimos aqui, o arrependimento não é abstrato, mas real e tem várias facetas. Para enumerá-las é necessário escutar aos irmãos e irmãs da Palestina para que possamos deixar entrar em nós o clamor deles. O clamor por serem reconhecidos e não esquecidos e ignorados. O clamor para não serem vítimas de uma teologia que não tem lugar para eles, como participantes do “Israel de Deus”. O clamor que pede pela suspensão do envio das armas pelas quais serão mortos e pelo pronto cessar fogo e término da guerra. O clamor pela participação na reconstrução tanto da igreja como de suas comunidades, como sinal de um Deus que não abandona mas está presente e o faz através do seu corpo.
Então, e só então, o dia do abandono poderá ser seguido pelo dia do abraço. Um abraço que, com verdadeiras tintas escatológicas, pode iniciar com o compartilhamento das lágrimas.
Será que podemos esperar por outro email?
Sobre o autor:
Valdir Steuernagel faz parte da Visão Mundial (World Vision) desde 1989, onde presidiu os conselhos nacional e internacional da organização. Atualmente, atua como embaixador da Visão Mundial Brasil e da Aliança Cristã Evangélica Brasileira, além de ser colunista da revista Ultimato. É pastor luterano com mestrado e doutorado (PhD) pela Lutheran School of Theology em Chicago, Estados Unidos.
ALGO A DIZER? COMENTE ESTE ARTIGO ABAIXO COM FACEBOOK, BLOGGER OU DISQUS
No hay comentarios.:
Publicar un comentario